Conceito propõe reviver as moradias do passado e as experiências dentro daqueles espaços para, a partir dos materiais, formas, texturas e cores de nossas lembranças afetivas, construir novas boas memórias com influência de momentos felizes
Por Fernanda Olinto*, colunista
Poucos já ouviram falar sobre biografia ambiental ou já tenham feito a sua. Esse termo e processo se desenvolveu em uma sala de aula de arquitetura e urbanismo, em 1979, quando a professora Clare Cooper Marcus* decidiu solicitar aos seus alunos que compusessem suas então -biografias ambientais. Com o intuito de instigar os alunos a enxergarem conexões profundas entre ambientes significativos de suas histórias e o caminho que seria condizente seguirem em suas vidas profissionais, essa nova prática nortearia suas escolhas.
A biografia ambiental era então a história de cada aluno contada em forma de suas casas já vividas. Revirava o passado ambiental deles para possivelmente indicar suas reais vocações e guiar indiretamente suas decisões sobre arquitetura e design. Ou seja, reviver as moradias do passado e as experiências dentro daqueles espaços, para assim tornar possível construir uma linha do tempo indicativa de um estilo profissional e individual ainda escondido, mas que eventualmente viria à tona.
Isto ocorre, pois, a história individual de cada um molda grande parte do que somos, logo ela pode ser buscada de forma consciente a partir da biografia ambiental, adiantando o processo de descobertas. Nossa memória é estruturada em torno dos lugares onde estivemos e vivemos, e esta técnica prevê que as lembranças que guardamos e mantemos destes espaços delimitam nossos gostos ambientais e preferências do presente.
Foi requisitado aos alunos que desenhassem as casas de suas memórias e os ambientes dos quais as experiências mais significativas de suas infâncias ocorreram. Na sequência, o caminho se tornou fácil, ficou nítido o quanto guardamos de nosso histórico ambiental e o quanto tudo à nossa volta carregamos para o futuro. Investigar a conexão emocional existente entre os alunos e suas casas do passado, e também do presente, se tornou uma experiência importantíssima. Descobriu-se no processo que especialmente a moradia da infância provou ter uma influência especial e um peso maior do que as restantes. Isto pode ser explicado porque durante a infância desbravamos nossas primeiras experiências em todos os âmbitos, o que as tornam mais marcantes, e os espaços participam e contemplam essas vivências.
A maioria de nós está desatento ao efeito indireto que as casas exercem sobre nossa pessoa. A biografia ambiental não é sobre os ambientes em si, mas sim sobre as experiências vividas neles, são elas que importam. Boas ou ruins, são as experiências que determinam o que, individualmente, devo repetir ou evitar em ambientes futuros. Ativar a memória e buscar estas lembranças é rever o passado particular de cada um, à procura de referências profundas e positivas para então unir informações suficientes e assim criar espaços que sejam absolutamente corretos para determinada pessoa. Criando a possibilidade, a partir dos materiais, texturas, formas e cores, de construir novas boas memórias com influência de momentos felizes anteriores.
É a lembrança do piso de taco da casa da vó, onde você passava grande parte do seu tempo em dias leves e divertidos que o leva como adulto, por exemplo, até hoje a gostar de pisos de taco. É a memória remota de outra pessoa em sua casa de infância, que também possuía pisos de taco, onde seus pais se separaram, que leva esse outro indivíduo a não gostar do respectivo acabamento.
As vivências determinam nossa vontade de querer ou não relembrar determinados episódios, direcionadas pelos sentimentos desencadeados no momento, e também pelas consequências posteriores de cada evento. O experimento da biografia ambiental mostrou-se válido, pois surpreendentemente as experiências mais importantes, positivas ou negativas, quando relembradas são imediatamente associadas com o local onde ocorreram. Guiando um processo natural de evitar repetir os momentos em que sentimentos ruins vieram à tona, e potencializar e reproduzir ao máximo os momentos de sentimentos agradáveis.
Descubra e avalie sua biografia ambiental, entenda os materiais, cores, formas e estilos que remetem a lembranças boas e livre-se daqueles que despertam memórias ruins. Ao futuro, caberá ao profissional aplicar a biografia ambiental em sua metodologia de projeto, caminhando junto ao cliente pelo seu histórico ambiental, auxiliando em decisões de criação baseadas em memória afetiva.
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*Fernanda Olinto é designer de produto e de interiores e mestre em Arquitetura e Urbanismo