Com a retomada de mostras e exposições, esse foi um dos meus maiores questionamentos e tema de uma conversa com o mestre em História da Arte Contemporânea, Vinícius Massimino
Por Nathaly Domiciano, colunista*
Como consumir arte? O retorno de mostras e exposições nos âmbitos nacional e internacional me leva a um questionamento sobre o consumo de arte de uma maneira genuína, ou seja, que não esteja atrelado a possíveis tendências e efemeridades, mas sim como um artefato que traduza a personalidade da nossa morada e a essência do que acreditamos e pertencemos.
Do irreverente, chocante, reflexivo e crítico – a arte é indubitavelmente nossa ferramenta inata para expressar emoções e sensações onde, às vezes, nos faltam palavras que possam simbolizá-las. Por isso, na coluna deste mês, trouxe alguns embasamentos sobre o panorama do mercado de arte, os comportamentos do público atual sobre preferências artísticas e também acerca de como podemos consumir dessa arte, em que podemos carregar novas inspirações e novos ares.
Convidei, então, o historiador da arte Vinícius Massimino, que é graduado em História pela Universidade de São Paulo, Mestre em História da Arte Contemporânea e Economia da Arte pela Université Montpellier 3 – Paul Valéry, na França, e que também atuou como mediador cultural na 34ª Bienal de São Paulo, para uma conversa franca sobre o tema. Recentemente, inclusive, ele tem pesquisado o mercado de arte brasileiro e trabalhado com mediação cultural em instituições culturais de São Paulo.
Professor, o primeiro questionamento que faço é sobre a perspectiva do mercado de arte e o comportamento do público atual. Fale um pouco sobre preferências artísticas e pluralidade cultural.
Estatisticamente falando, segundo o último relatório da Art Basel & UBS, pinturas, esculturas e obras em papel (desenhos, aquarelas, entre outros) são a grande preferência de pessoas que colecionam. Em geral, esses formatos são os mais facilmente preservados dentro de casa e se encaixam melhor no contexto da decoração de um lar. É muito mais difícil, por exemplo, você ter em sua sala uma obra em vídeo ou filme – que ainda por cima orne bem com aquele seu sofá em pastel – do que um quadro ou uma escultura. E isso é algo unânime em todas as faixas etárias que colecionam, aliás: as pinturas representam mais de 25% de todas as obras numa coleção.
Mas não é por aí que param as preferências. O mercado de arte ainda é um lugar bastante conservador e muito afetado por variações de tendências. Ainda segundo o relatório citado acima, pessoas que colecionam preferem consumir obras de artistas homens e quase metade delas consome obras de artistas já mortos. Além disso, de uma maneira geral, as obras, principalmente contemporâneas, precisam trazer uma poética única o suficiente e um tema relevante.
E entre as galerias nacionais, o que mais tem sido evidenciado sobre a arte? Seria a dualidade entre apelo visual e crítica? Caso sim, sobre quais temáticas?
Sempre as duas coisas. As galerias geralmente precisam de um corpo de obras que seja mais “comercial” – quer dizer, mais visualmente apelativo, que atraia de fato o olhar da pessoa interessada e faça ela pensar em como aquilo ficaria na casa dela – e de um corpo de obras mais focado na poética, às vezes até no experimental – ou seja, aquela parte do trabalho da/do artista onde realmente vemos a essência dela/dele, onde o tema que ela/ele aborda fica transparente.
Em ambos os casos, porém, é absolutamente necessário, dentro da arte contemporânea, que a obra seja política de alguma maneira e que traga algum assunto relevante para a atualidade. Seja falando do aquecimento global, de questões raciais, do desmatamento ou até mesmo inquietações mais filosóficas (do tipo “para onde vai a humanidade?”, “como lidamos com a morte?” e similares).
A arte contemporânea busca uma potência que esteja não só na parte física do trabalho, mas também na conceitual. Tendo isso em mente, o que mais tem me chamado a atenção nas exposições recentes em galerias e museus é o enfoque dado a artistas racializados e a artistas mulheres. Trata-se de artistas que, durante muito tempo, ficaram à margem no mundo da arte e que receberam pouca ou nenhuma atenção. Há, assim, um movimento de correção desse contexto atualmente – porém ainda a passos lentos. No que tange a temáticas, questões de raça, gênero, sociais e ambientais – ou a mistura de mais de um desses temas – são as que mais me chamam a atenção.
Algumas exposições que exemplificam esse cenário são “Natureza Feminista”, na AM Galeria, sob curadoria de Ana Carolina Ralston; “Vuadora”, no Pivô Arte e Pesquisa, sob curadoria de Diane Lima (da 35ª Bienal de São Paulo) e Fernanda Brenner; “Arte Natureza: ressignificar para viver”, na SP-Arte, também com curadoria de Ana Carolina Ralston; “Vários 22”, na Arte 132, com curadoria de Lilia Schwarcz; “Córpus-Lócus”, na SP-Arte, sob co-curadoria de Heloísa Amaral Peixoto; entre outras. Poderíamos citar aqui ainda, fora do circuito de galerias e feiras e dentro do circuito institucional, a própria 34ª Bienal de São Paulo “Faz escuro, mas eu canto”, a “Abdias Nascimento: um artista panamefricano” e diversas outras.
Como podemos consumir mais arte de maneira genuína? Comente sobre alguns novos artistas que tenham uma proposta diferenciada.
Acredito que indo a espaços culturais, sempre. Quanto mais formos, melhor saberemos do que gostamos, o que nos move, o que nos toca. Meu conselho nesse sentido é nos desafiarmos – ir nas exposições de coração aberto à potência e à mudança que a arte carrega.
Ainda assim, o mundo e o mercado da arte são muito suscetíveis a mudanças de gostos e a tendências. Por isso, é inevitável que a gente acabe indo, vez ou outra, àquela exposição que está sendo muito comentada dentro do meio. E isso não é de todo ruim: se o interesse é entender o que está em voga, qual o panorama da produção mais contemporânea, esse tipo de exposição – que muitas vezes molda gostos e opiniões – é ótima para identificarmos o surgimento de algum nicho no futuro próximo.
Quanto aos artistas, eu poderia listar inúmeros. Recomendo, aqui, que os leitores acompanhem o desenrolar do Prêmio PIPA (cuja missão é justamente divulgar a arte e artistas brasileiros e estimular a produção nacional de arte contemporânea motivando e apoiando novos artistas do país), que é o mais relevante prêmio nacional de artes visuais e que neste ano traz 66 artistas em sua lista de indicados.
Pessoalmente, de artistas que estão dentro e fora da lista do Prêmio PIPA, acompanho e gosto muito dos seguintes: Gustavo Caboco, Uýra Sodoma, Pegge, Desali, Fefa Lins, Maria Laet, Maria Macêdo, Jota Mombaça, Luana Vitra, Daiara Tukano e Larissa de Souza. Aproveito também para destacar galerias jovens, que trabalham com propostas diferenciadas, como a HOA Galeria, a Sé Galeria, a galeria Amparo 60 e a galeria Periscópio.
* Nathaly Domiciano é designer e especialista em design de superfícies, coolhunting, biofilia e design multissensorial