A designer Nathaly Domiciano explica como a natureza inspira o design sensorial

O design é sinônimo de transformação em muitos segmentos: para o nicho de interiores e produto, o design cria novas finalidades, propósitos, funções e principalmente, experiências sensoriais. Quando além disso incluímos conceitos da natureza juntamente com a arte da criação, o design se mostra ainda mais criativo, inovador e revolucionário, pois resgata uma conexão que precisamos cada vez mais com o meio natural.

A natureza em sincronia com a inovação. Fonte: Medium.com

 

Para materializar o design a partir da inspiração que a natureza nos traz, surge uma ciência denominada Biomimética, que na tradução prática significa a imitação da vida, isto é, são estudos e análises a respeito dos mecanismos, processos, fisiologia, morfologia e percepção visual (forma, cores, texturas) de toda a composição que integra a natureza e os seres vivos: fauna e flora.

Elementos da natureza em contexto com suas formas, cores, texturas e mecanismos. Fonte: Siagutatemp.wordpress.com

 

De uma forma mais simples, a Biomimética interpreta as soluções que a natureza traz em seus processos para poder incluir em tecnologias e no desenvolvimento de produtos, proporcionando assim a resolução de problemas e desafios do nosso cotidiano, afinal, a natureza é símbolo de perfeição, equilíbrio e harmonia. E, dessa forma, a Biomimética traz consigo inúmeras ideias e conceitos que podem ser reaproveitadas pelo design e ser um fator que impulsiona criações irreverentes. Outro aspecto relevante da Biomimética é que essa ciência traz também como propósito a valorização e proteção do meio natural e, com isso, utiliza a natureza como um guia que determina para a sociedade as novas formas de produzir, de desenvolver, de consumir e de fortalecer os princípios de compatibilidade, durabilidade e desempenho para todos os tipos de criações – seja o design de produtos, de interiores, gráfico, etc.

Priorizando um design sustentável, consciente e flexível às necessidades atuais, os designers têm buscado desenvolver produtos e espaços que estejam inseridos em uma atmosfera sensorial e é com a Biomimética que podemos encontrar as melhores ideias que a natureza “formulou”, tanto nas formas, como no processo e desenvolvimento.

O design sustentável aliado à tecnologia. Fonte: Design Culture

 

Em quase três anos de estudos sobre Biomimética, sempre quando estou desenvolvendo alguma criação no campo do design, busco fazer essa imersão acerca das inspirações que a natureza nos fornece: um dia, observe com mais calma e atenção as paletas de cores que estampam folhagens, frutos…a composição de algumas peles de animais, penas e escamas; as texturas uniformes das pedras naturais, a irregularidade dos troncos das árvores e a suavidade de uma grama, por exemplo, são pequenas imersões que, com um olhar mais aguçado, nos promove um aprofundamento e compaixão sobre o que a natureza nos oferece e como podemos converter esse conhecimento em experiências minimalistas, revigorantes e acolhedoras para o design.

Texturas vivas: estampas de folhagens, texturas de frutos, escamas de peixes são algumas das composições que podem efetivamente inspirar por seu colorido, sensação, aroma, intensidade. Fonte: Colagem autoral

 

Seja para o lar ou para nós mesmos, o design biomimético se mostra como um aliado para nos conectarmos com a natureza, mesmo que seja de uma maneira indireta e não exatamente inserido em algum espaço natural como um campo, floresta ou uma praia.

Muito além do uso da madeira, de utilizar tecidos naturais ou até mesmo de inserir plantas no ambiente, a biomimética traz para nós uma nova maneira de pensar e de se comportar: como a natureza se adapta a determinadas situações e contextos? E como eu poderia resolver o meu próprio contexto/desafio de maneira similar? 

Espaços naturais e conexões com a natureza. Fonte: Archdaily

 

Então, como forma de nos inspirarmos e pensarmos de uma forma ainda mais completa e prática, selecionei alguns produtos e conceitos que foram inspirados em elementos da natureza, seja no campo do Design ou na Arquitetura, vejamos:

 

  1. Painel acústico

O conceito é bem simples de acordo com o seu criador, Mario Trimarchi: “Quando você está embaixo dos galhos sombreados de uma grande árvore que filtra delicadamente a luz e espalha seus efeitos de brilho e sombra, o silêncio vem naturalmente. Com isso em mente, foi projetado o Botânica, um novo sistema de absorção de som.

A criação Botânica é composta por uma estrutura metálica com a forma de galhos longos, torcidos e sinuosos que faz uma alusão sobre composições de folhas, dessa vez, cobertas por um tecido que proporciona um alto desempenho de absorção acústica. Com isso, os galhos se espalham por toda a estrutura e chegam a invadir o espaço do teto, criando uma impressão de o usuário estar literalmente sobre a sombra de uma árvore, além de resolver um problema de possíveis ruídos em um ambiente. 

Painel Botânica. Fonte e criação: Mario Trimarchi

 

  Nesse primeiro case, temos um exemplo de design funcional inspirado na natureza, onde o produto imita não somente a forma de um determinado elemento – no caso, as folhas -, mas também faz uma referência entre o efeito que às árvores causam – de frescor, de purificação do ar e de diminuição de ruídos. É o mesmo caso desse próximo exemplo que utiliza um mecanismo da flor-de-lótus para converter em solução:

 

2. Produtos autolimpantes

A flor-de-lótus é uma incrível inspiração biomimética para criação de produtos. Isto porque suas pétalas apresentam a propriedade de serem autolimpantes: mesmo a flor-de-lótus emergindo e desabrochando sobre pântanos, ela se mantém limpa devido a sua superfície rugosa ser praticamente um impermeabilizante natural. Com isso, o design busca há muito tempo novas soluções que possam criar superfícies com a mesma característica de impermeabilização e limpeza contínua, especialmente a área médica. 

O desabrochar da flor-de-lótus em meio ao pântano ainda faz com que se mantenha intacta. Fonte: Freepik

 

Uma das soluções apresentadas por cientistas canadenses é um revestimento que apresenta uma superfície um tanto áspera e com rugosidades, feito de plástico, que repele substâncias externas, assim como o mecanismo da flor-de-lótus. 

Em uma outra proposta da marca Lotusan, existe uma tinta que pode ser aplicada em paredes externas e que repele qualquer tipo de sujeira, onde sua composição repete a estrutura da superfícies das pétalas da flor que, ao contrário do que se pensa sobre ser lisa, apresenta milhares de poros microscópicos que impedem o acúmulo de qualquer substância externa, como a chuva.

 

Mecanismo da flor-de-lótus aplicada em uma tinta (imagem central) que faz gotículas e resíduos escorrerem juntamente com as impurezas, mantendo a superfície limpa. Fonte: Lotusan

 

Além do design funcional, na Biomimética podemos usufruir também do design emocional que se distingue em 3 níveis e que podem ser trabalhados em produtos e projetos, sendo o primeiro deles o design visceral, que é a primeira impressão que o design causa, ou seja, o seu impacto visual; existe também o design comportamental que está relacionado literalmente com o seu comportamento e função, além da sensação que ele transmite para o usuário; por último temos o nível de design reflexivo, que envolve o significado, o valor e a experiência que o design nos propõe.

Design brasileiro sustentável e referenciando formas, curvas, texturas e cores da natureza e causando irreverência, impacto visual e consciência aliada à inovação. Fonte: SustentArqui

 

É exatamente por isso que a Biomimética também pode ser utilizada no design como uma referência somente nas formas, nas cores e nas texturas, ou seja, é um design voltado para a plasticidade artística. Em 2019, desenvolvi uma coleção que traz esse nível do design emocional para o segmento dos revestimentos, veja a seguir:

3. Revestimentos inspirados na morfologia da natureza

A Biomimética pode utilizar uma imitação de vários aspectos da natureza e um deles é a morfologia, ou seja, a imitação das formas, texturas, do tipo de superfície e das cores. É uma maneira de buscar inspiração priorizando as questões estéticas e sensoriais. Nesse caso, apresento a vocês a minha coleção Escamaria que desenvolvi para a marca de revestimentos Colormix, onde a inspiração foram estudos de peles e escamas de peixes exóticos.

 

Mosaicos em nanopastilhas que criam uma alusão ao efeito pixelado das escamas de peixes. Acervo pessoal.

 

 
Durante algumas análises, percebi que alguns animais já haviam sido estampados especialmente na moda e precisava de algo diferente para estampar revestimentos. Nesse momento criei um vínculo e conexão entre as nanopastilhas, revestimentos de 8mm que, quando aglomerados, criam um efeito pixelado, muito similar as escamas de peixes. Nesse momento a criação ganhou uma característica de design biomimético, pois referenciou elementos da natureza junto com a tecnologia existente desse tipo de pastilha para desenvolver e criar novas composições no design.

Além disso, essa coleção traz em questão a valorização, proteção e preservação de espécies marinhas, onde um dos mosaicos referencia os recifes de corais que passam por ameaças de extinção. É uma forma de criar um design que pensa nessas questões e a utiliza até mesmo como campanha de conscientização para designers e arquitetos propagarem em seus projetos e conceitos.

 

Acima a plataforma cenográfica com redes de pesca resgatadas de Ilhabela com as estampas inspiradas na orgânica e fluida forma dos recifes de corais. Abaixo, mosaicos inspirados em dois peixes exóticos: peixe cofre e peixe porco palhaço que criam efeitos artísticos e conceitos para cada revestimento. Acervo pessoal. Foto: Carol Tomaselli

 



4. Tecidos inspirados nos mecanismos e processos do camaleão e da aranha

O camaleão é um dos animais que mais instigam na natureza, tanto por sua propriedade de alteração de cores quanto pelas razões com que esse mecanismo é desenvolvido: muito além de ser somente uma camuflagem, esses animais trocam de tonalidades muitas vezes para interagir com outros animais da espécie, como fator facilitador de acasalamento ou para simplesmente regular a temperatura do corpo.

 

Camaleão multicolorido. Fonte: Jornal Hoje em dia

 

Pensando nisso a empresa Neffa desenvolveu um tecido para cachecois que troca de cor como resposta a estímulos do corpo e fatores externos, tais como a temperatura do usuário e a ausência ou presença de luz. O tecido é pintado em algumas partes com tinta termocrômica justamente para criar esse vínculo entre a temperatura do corpo e a tonalidade do tecido, fazendo alusão ao mesmo mecanismo utilizado pelo camaleão. Em outras partes do mesmo tecido é usado um material fotoluminescente que emite um brilho e cria variações de tons conforme o contato com a luz do sol.

 

Cachecol em tecido com tinta termocrômica. Fonte: Neffa

 

Esse mesmo tecido pode ser considerado como um design que mede o “humor” de quem o utilizar como uma peça de moda e novamente cria relações entre o camaleão. Isso porque os camaleões refletem em seu corpo as cores vermelho, amarelo e laranja quando estão irritados ou querem intimidar outra espécie ou tornam sua pele verde e azul quando estão relaxados; também podem se dispor em padrões multicoloridos quando querem cortejar a fêmea. Todo esse processo também é proporcionado nesse tecido que, de acordo com a temperatura corporal, apresentará novas cores. É muita inovação junto, isso é biomimética!

 

A fauna inspirando criações na biomimética. Fonte: Tudo pela natureza

 

A teia da aranha também é um elemento muito estudado no campo da biomimética e posteriormente nas aplicações do design porque une dois aspectos muito relevantes: elasticidade e resistência a partir de sua composição com seda.

A construção da teia de aranha. Fonte: Ecycle

 

Por estas razões, há muitos estudos envolvidos para sempre criarem novas soluções utilizando o conceito e partido desse mecanismo da aranha: a Universidade de Cambridge, por exemplo,  criou um material que mimetiza as propriedades de resistência da seda de aranha e as suas capacidades de estiramento e absorção de energia. Em outro momento, uma startup chamada Bolt Threads desenvolveu uma seda sintética que além de tudo é biodegradável. A empresa também é conhecida por aproveitar as proteínas encontradas na natureza para criar fibras e outros tipos de tecidos. Com o nome de microsilk, o tecido desenvolvido com inspiração na teia de aranha e com caráter de design funcional, é composto por proteínas similares às produzidas pelas aranhas e utiliza água, fermento e açúcar como matéria-prima e consegue apresentar inclusive uma variedade de cores.

Tecido sintético com propriedades resistentes e elásticas da teia de aranha. Fonte: Muda tudo

 

 5. Mobiliário morfológico 

O designer espanhol Maximo Riera desenvolveu uma linha de mobiliário inspirado na morfologia (forma) de alguns animais e uniu a tecnologia da impressão em 3D para consolidar a sua construção e coleção que utiliza o design emocional para trazer novas experiências e impressões ao usuário. Segundo ele, “Esta coleção nos permite admirar o que a natureza é capaz de fazer; e esta é a principal razão pela qual desde o início eu queria ser fiel à morfologia do animal. Esta série é uma homenagem a estes e todo o reino animal que habita nosso planeta, como uma tentativa de refletir e capturar a beleza da natureza em cada coisa viva”.

 

Mobiliário morfológico inspirado em seres marinhos. Fonte: Hypeness

 

6. Design de produto funcional 

No campo do design de produto há muita variedade para trabalhar a Biomimética – nesse caso, há ainda mais uma valorização do design emocional, da experiência do usuário e de uma preocupação com a sua real função e não somente a estética.

Foi assim que o designer esloveno Anze Miklavec criou um copo com formato de chifre de cabra no intuito de buscar um aproveitamento de 100% de toda bebida que você for tomar, diferentemente dos copos cilíndricos e quadrados onde sempre sobra algum resíduo da sua bebida. O copo além de tudo é sustentável e traz consigo a imitação perfeita do chifre da cabra: essa forma sinuosa e curva permite que o líquido saia totalmente de sua estrutura e com isso, o desperdício é nulo. 

 

Copo inspirado na forma do chifre de cabra em uma proposta de aproveitamento máximo de qualquer bebida. Fonte: Hypeness

 

7. Ar condicionado inspirado na estrutura das colmeias

Cones de argila empilhados na mesma estrutura das colmeias é a referência criada por um estúdio indiano de arquitetura para construir um sistema de ar condicionado eficiente, prático e basicamente sem gastos de energia. Isso porque quando o ar passa de um orifício maior para um menor, ele perde calor – com isso, a forma e o tamanho dos cones de argilas vão se afunilando e foram empilhados da mesma forma que as estruturas hexagonais das colmeias porque somente com esse propósito é que a área de resfriamento se tornar maior e mais eficaz.

No caso das abelhas, o ‘raciocínio’ é o mesmo – os ângulos iguais de 120 graus do hexágono permite que o acúmulo de mel seja o máximo possível e é exatamente por isso que esses animais constroem a partir dessa forma geométrica. Colmeias são certamente uma outra grande inspiração para o design e utiliza também o conceito de geometria sagrada, que é quando estudamos as formas da natureza para interpretar alguns processos, ciclos e sobre como fauna e flora podem se desenvolver. 

Estrutura da colmeia. Fonte: Summit Agronegócio

 

Estruturação do sistema de ar condicionado com estruturas cônicas em argila. Fonte: Ciclo Vivo


Aqui são apenas alguns dos cases envolvendo a natureza em seus aspectos de funcionamento, suas formas, seus mecanismos e suas estruturas – porque é como eu falei anteriormente: a gente sabe que a natureza tem a resposta para tudo, que sua forma de existir, nascer e resistir no meio natural é um exemplo perfeito da harmonia que precisamos ter para a vida e do equilíbrio que precisa ser posto em primeiro plano para uma vida saudável. E não só isso, é com a natureza que claramente nos tornamos seres mais pensantes, criativos e que possa interagir e construir inovações que tragam benefícios para todos – para todos mesmos, inclusive como um benefício da natureza que só deveria ser utilizada como um guia e não como exploração. Gostam do tema? A natureza já te inspirou de alguma forma? Então eu gostaria de dizer também que ainda esse ano será lançado o meu curso sobre o tema de Biomimética que envolve também Biofilia, Design Multissensorial e comportamentos do design. Assim, eu espero que essa ciência possa inspirar cada vez mais os profissionais do segmento de Design, Decoração e Arquitetura para ampliar a nossa capacidade e percepção de como a natureza pode nos tornar ainda mais criativos e de como podemos interagir com ela com consciência e compaixão. 

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Nathaly Domiciano é designer e especialista em design de superfícies, coolhunting, biofilia e design multissensorial

 

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