A beleza está nos olhos de quem vê
Por Fernanda Olinto*, colunista
Um dizer conhecido por todos que ganhou notoriedade ainda no início da modernidade, em que a arte começa a ganhar uma dimensão estética diferente e destaca um deslocamento da definição de beleza antiga. Estética do grego, é aestesis, que se traduz para sensibilidade. A arte então se torna um trabalho de estetas, de papéis sensíveis e individuais.
Sempre acompanhada de influências culturais, essa mudança de curso da visão perante a arte é posterior a uma época em que antes a beleza não se criava, se replicava. A arte era a representação de algo já presente no mundo – na natureza. Era, e devia ser, uma releitura do que já existia, uma tentativa de reproduzir a beleza natural, em artes realistas, em artes naturais. Após uma mudança de curso, a beleza e a arte caem sobre o artista, que se torna mais criativo e expressivo. A beleza não mais é apenas o que está presente no mundo visível, mas ela pode ser criada do zero, e admirada da mesma forma. Neste momento é que temos o deslocamento e a possibilidade de, a partir dos olhos de quem vê, poder decidir individualmente se tal arte é bela ou não.
O belo se torna o que agrada a partir do que é sensível a percepção do observador. Pode-se ir além, segundo Spinoza, em que a beleza não está apenas nos olhos de quem vê, está no corpo inteiro. Pois a beleza, diria ele, não está contida no mundo indiscutivelmente, a beleza está na alegria. Primeiro nos alegramos, emocionamos, nos comovemos, e depois consideramos belo. Ou seja, primeiro a sensação e depois o juízo de valor. O fundamento filosófico da beleza está na comoção, no encontro, na história de contingências, no se alegrar além do olhar e por conseguinte, considerar belo.
Portanto, o critério de beleza muda e ganha força particular. Agora decidimos a beleza a mercê das preferências pessoais e singularidades. Abre-se mão da arte com objetivo final, abre-se mão da beleza clássica, de replicar a natureza -bela por si só e inquestionável, por exemplo. Contudo, não abre-se mão da racionalidade, sendo este o momento de consenso entre críticos. A arte é também da razão, ela pode-se matematizar. Enxerga-se o simétrico, o harmônico e o matemático. Também existe o belo em função da geometria, e todos tem competência inata tanto para o bom senso sensível e quanto para o discernimento racional.
O gosto é, portanto, a faculdade no homem capaz de unificar as sensibilidades individuais e o conhecimento racional geral. Ambos, quando separados, sensibilidade e razão, podem afastar socialmente. Com isso, Friedrich Schiller em seu livro “Cultura, estética e liberdade”, sugere que o desenvolvimento do conceito do belo se mostra como via capaz de propiciar harmonia entre indivíduo e sociedade. O belo não pode formar moralmente ou predispor alguém para a virtude, já que a conduta moral é uma escolha à parte, porém entende-se que através da arte é possível atingir um indivíduo capaz de harmonizar seus impulsos, sensíveis e racionais, para ser então um homem livre e consequentemente moral, resumido em um ser humano absoluto.
A arte toca as pessoas com a sua mão formadora e demonstra sua influência enobrecedora. O belo eleva o caráter e os costumes. Ele vivifica e exercita a faculdade de sentir, elevando o espírito dos prazeres. O belo refina o rude e ajuda a educar o meramente sensual (dos sentidos), tornando-o também um homem racional, e vice e versa. Por fim, para ele, a arte poderia assumir a construção moral do mundo e assim, a luz triunfar sobre as trevas.
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*Fernanda Olinto é designer de produto e de interiores e mestre em Arquitetura e Urbanismo
Fontes:
Friedrich Schiller – Cultura, estética e liberdade
Umberto Eco – História da beleza
Clóvis de Barros Filho – A beleza e a arte